O que é consolidação processual e substancial nas recuperações judiciais?

Por meio do presente estudo, pretendemos esclarecer aos leitores o significado de consolidação processual e substancial que corriqueiramente se apresentam nas recuperações judiciais brasileiras.

De início, importa mencionar que a Lei Federal nº 14.112/20 buscou resolver definitivamente algumas questões de ordem prática que vinham sendo objeto de decisões judiciais díspares nos tribunais brasileiros. Uma destas questões é a consolidação processual e substancial que não estava regulada originalmente na Lei Federal nº 11.101/05 (“Lei de Recuperações e Falências” ou simplesmente “LRF”).

A consolidação processual vinha sendo admitida com base nas regras de litisconsórcio do Código de Processo Civil. Já a consolidação substancial, bem mais sensível, tinha julgados divergentes em relação aos requisitos, à competência da decisão sobre o tema, entre outros[1].

A esse propósito e com o intuito de conceituar a consolidação processual e substancial no presente estudo, confira-se o seguinte trecho do voto proferido pelo Ministro Ricardo Villas Boas Cueva no julgamento do Recurso Especial nº 1.626.184 – MT:

“A Lei nº 11.101/2005 não tratou do tema relativo à possibilidade de formação de litisconsórcio ativo entre sociedades do mesmo grupo econômico para apresentação de pedido de recuperação judicial. Apesar disso, na prática, os pedidos de recuperação judicial formulados em litisconsórcio são comuns, encontrando fundamento nas regras do Código de Processo Civil e, muitas das vezes, não sendo objeto de questionamento por parte dos credores. A formação de litisconsórcio ativo na recuperação judicial resulta no que a doutrina denomina consolidação processual, que representa tão somente o processamento nos mesmos autos, por motivo de economia, de recuperações autônomas, com a apresentação de planos individualizados. (…) Na situação em que, além da formação do litisconsórcio, admite-se a apresentação de plano único, ocorre o que se denomina de consolidação substancial. Trata-se de hipótese em que as diversas personalidades jurídicas não são tratadas como núcleos de interesses autônomos. Diante da confusão entre as personalidades jurídicas, a reestruturação de um dos integrantes do grupo depende e interfere na dos demais. As contratações realizadas revelam muitas vezes que o ajuste foi feito considerando-se o grupo e não apenas um de seus componentes. Nessa situação, é apresentado plano único, com tratamento igualitário entre os credores de cada classe. (…) Conforme já destacado, a LRF não trata da questão, sendo estabelecidos pela doutrina e por decisões judiciais ainda esparsas alguns critérios buscando nortear em quais casos é de fato benéfica para os credores a consolidação substancial. Isso porque a consolidação substancial pode ser extremamente lesiva para os credores que contrataram com empresa sólida e, muitas vezes, se veem arrastados para a recuperação judicial de outra sociedade do grupo em situação deficitária.  (…) Vale ressaltar que o projeto de lei que está em tramitação no Congresso Nacional para alteração da Lei nº 11.101/2005 cuida expressamente do tema, dispondo sobre os requisitos necessários para admissão tanto da consolidação processual, quanto da substancial.” (STJ, Resp nº 1.626.184 – MT, Terceira Turma, Rel. Min. Ricardo Villas Boas Cueva, j. 01.09.2020) (destaques nossos)

Pois bem, a Lei Federal nº 14.112/20 acrescentou à Lei de Recuperações e Falências a Secção IV-B, cujos artigos 69-G a 69-L cuidam expressamente da consolidação processual e substancial.

Como já vinha sendo admitido antes da edição da Lei Federal nº 14.112/20, os devedores que integrem grupo sob controle societário comum poderão requerer recuperação judicial sob consolidação processual. Trata-se de medida exclusivamente processual, destinada a racionalizar a tramitação do processo.

Nesta hipótese, a lei, conforme alterada, houve por bem estipular o juízo competente, os requisitos e a documentação necessária para seu processamento (art. 69-G da LRF). Ocorre que a consolidação processual pode, ou não, ser conjugada com a substancial, como se verá a seguir.

Na consolidação processual sem consolidação substancial, cada uma das requerentes mantém sua autonomia patrimonial (ativos e passivos), sendo nomeado apenas um único administrador judicial (art. 69-H LRF).

O plano de recuperação judicial pode ser instrumentalizado em um ou mais documentos, estabelecendo os meios de superação da crise diferente para cada um dos devedores e os credores de cada devedor deliberarão em assembleias-gerais de credores independentes (art. 69-I LRF).

Os quóruns de instalação e de deliberação das assembleias-gerais serão verificados, exclusivamente, em referência aos credores de cada devedor, e serão elaboradas atas para cada um dos devedores, podendo ocorrer de uma sociedade ter o plano aprovado por credores e a outra não, o que, neste último caso, terá como consequência a falência desta última sociedade e a concessão da recuperação judicial à primeira (Art. 69-I, §§ 3º e 4º LRF).

Com relação à consolidação substancial, o artigo 69-J da LRF estabelece que “o juiz poderá, de forma excepcional, independentemente da realização de assembleia-geral, autorizar a consolidação substancial de ativos e passivos dos devedores integrantes do mesmo grupo econômico que estejam em recuperação judicial sob consolidação processual, apenas quando constatar a interconexão e a confusão entre ativos ou passivos dos devedores, de modo que não seja possível identificar a sua titularidade sem excessivo dispêndio de tempo ou de recursos, cumulativamente com a ocorrência de, no mínimo, 2 (duas) das seguintes hipóteses: I – existência de garantias cruzadas; II – relação de controle ou de dependência; III – identidade total ou parcial do quadro societário; e IV – atuação conjunta no mercado entre os postulantes.”

Ainda que se possa criticar a norma, é certo que a intenção legislativa era estabelecer requisitos para o deferimento consolidação processual com consolidação substancial, que, por certo, deverão ser mensurados quando nos depararmos com a hipótese casuística.

Em decorrência da consolidação substancial, ativos e passivos de devedores serão tratados como se pertencessem a um único devedor, que apresentará plano unitário, discriminará os meios de recuperação a serem empregados e será submetido a uma assembleia-geral de credores para a qual serão convocados os credores dos devedores. A rejeição do plano unitário implicará a convolação da recuperação judicial em falência dos devedores sob consolidação substancial (art. 69-K e L LRF).

Em caso de consolidação substancial, haverá extinção imediata de garantias fidejussórias e de créditos detidos por um devedor contra o outro, mas a garantia real dos credores não será prejudicada, exceto com aprovação do titular (art. 69-K, §§ 1º e 2 da LRF).

Esperamos, com o presente estudo, ter esclarecido nossos clientes e leitores a respeito do significado de consolidação processual e substancial e permanecemos à disposição para tratarmos deste e de outros temas ligados às recuperações judiciais, extrajudiciais e falências.

Thiago Vinícius Capella Giannattasio é sócio fundador de Giannattasio Advogados, com escritório em São Paulo/SP. Graduado em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo em 2005, possui pós-graduação em Direito Empresarial pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (2015) e em Direito Imobiliário pela Escola Paulista de Direito (2020). Possui diversas publicações nacionais, sobretudo na área de recuperação de crédito, recuperações judiciais e falências. Indicado como advogado de destaque na Revista Análise Advocacia 500, nos anos de 2016 e 2017.


[1] Exemplificamente, TJSP, Agravo Interno Cível nº 2212753-10.2019.8.26.0000/50001, 1ª Câmara Reservada de Direito Empresarial, Re. Des. FORTES BARBOSA, j. 05.02.2020; TJSP, Agravo de Instrumento nº 2262371-21.2019.8.26.0000, 1ª Câmara Reservada de Direito Empresarial, Rel. Des. ALEXANDRE LAZZARINI, j. 04.03.2020; TJSP, Agravo de Instrumento nº 2021976-34.2020.8.26.0000, 1ª Câmara Reservada de Direito Empresarial, Rel. Des. FORTES BARBOSA, j. 30.07.2020; TJSP, Agravo de Instrumento nº 2197397-38.2020.8.26.0000, 2ª Câmara Reservada de Direito Empresarial, Rel. Des. ARALDO TELLES, j. 16.10.2020; TJSP, Agravo de Instrumento nº 2170879-45.2019.8.26.0000, 2ª Câmara Reservada de Direito Empresarial, Rel. Des. MAURÍCIO PESSOA, j. 30.01.2020.

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